quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

E viva o preconceito semântico


Sempre me pergunto sobre a validade do pitaco que as pessoas dão àqueles que cometem erros ao falar o portugês. Falo do "menas" muitas vezes dito a Deus dará sem nenhum compromisso com a forma correta do advérbio e que de sinceramente, não faz nenhuma diferença na hora de entender o que a pessoa está querendo dizer, ou do "ponhar" erroneamente conjugado, muitas vezes criado pela costume senhoril mesmo de se falar errado, chegando ainda ao ponto de enteder o porquê de que "vosmicê" não é na verdade uma indicação caipira para se dirigir a alguem, muito menos errada. Você compreende menos quando uma pessoa diz "adevogado" de "advogado"?
Afinal, o que é falar errado?
Consigo enxergar algumas formas de responder à esta pergunta, mas nenhuma delas se aproxima da real intenção de dizer algo e conseguir falar com bom-sucesso, mesmo que com inúmeros erros. Como é bom quando a gente consegue entender o que a outra pessoa está tentando dizer. E como é desagradável discutir, às vezes infinitamente, para se chegar àquela frase clássica: -"ahhhhhh, agora eu te entendi". '
Mas afinal, o que houve de errado nesse meio tempo?
Visto do ponto que o papel da escola seja de também formar cidadãos que consigam exprimir sua língua materna através da boa escrita e da boa fala , e não é em vão que a nossa língua tenha tantas convenções para que as pessoas possam falar corretamente, por outro lado, como tudo nessa vida tem as suas intempéries, e não é diferente conosco, neste caso elas estão no calço da gramática do próprio gajo lusitano; a primeira delas, é o valor da língua falada. Essa língua que circula por aí, e que fala errado deliberadamente ,é a que transmite a intenção da opinião das pessoas e da essência da interpretação. Por muito tempo fui acostumado a corrigir, mas hoje deposito a minha atenção apenas em tentar entender o que a outra pessoa quer dizer, com suas falhas ou não. A riqueza da interpretação está na forma, nos gestos, no tom, nas analogias, na intenção. Dá-se ao nome da dicotomia falar certo x errado de preconceito linguistico, e que como todo preconceito piramidal e segregado, se torna autoritário pois aplica a regra à norma totalmente informal e que não exige do indivíduo total compreensão dos valores, neste caso linguisticos, por uma razão muito especial: falta de acesso ao tesouro da norma gramatical.
Mas o que dizer então das pessoas que falam, e não conseguem simplesmente dizer ou se fazer entender? Neste caso, o preconceito migra da falta do conhecimento técnico que origina a forma falada formal, para o mais puro déficit de compreensão e de cognição do indivíduo em interpretar as situações que se passam com ele mesmo e traduzir isso em palavras. Simples, não?
Me interessa mais em saber a intenção da pessoa em falar algo do que propriamente as palavras que ela utiliza para dizer algo que poderia ser dito se falado com o coração.
Sem dúvida nenhuma, parte dos problemas do mundo reside no fato das pessoas literalmente não se entenderem quando um fala ao outro.
Quantos casamentos poderiam ser salvos? Quantas brigas evitadas? Quantas demissões...ou melhor, quantas não- admissões poderiam ser finalmente concretizadas se um entendesse ao outro? Sem vícios, nem aforismos. Figuras de linguagem estariam proibidas por este instante. Metáfora seria crime. Indo mais longe, o ser humano que exterioriza de forma limpa aquilo que quer dizer, entende melhor a si mesmo também. Não é uma teoria evolucionista, mas com certeza já é certo há séculos que o que nos diferencia das outras coisas terrenas é o fato de conseguirmos nos comunicar por palavras. Ou seja, o ser humano que conseguir expressar de melhor forma a sua intenção, se aproximará da sua condição humana consequentemente. E vice-versa. Neste caso, com o perdão da palavra, dane-se o preconceito linguistico e viva o preconceito semântico.
Ainda, ontem assiti o paredão do big brother e o eliminado na sua defesa, simplesmente não conseguiu se expressar. No momento após a eliminação, surpresa, novamente não conseguiu dizer aquilo que queria dizer, e acabou por se contradizer. Mas um detalhe me chamou atenção: havia sido condenado por dizer que tinha sentido pela primeira vez a vontade de ler um livro, mas negou que aquela opinião fosse dele, pois era um leitor assíduo.
Ler não está relacionado a um conceito, nem é motivo de status ou de intelectualidade. Cada um que lê, tem seu motivo. Alguns gostam de viajar, outros veem como uma fonte eterna de conhecimento. Outros, como uma forma de compreensão alheia sobre coisas distintas e de fato, o escritor proporciona isto ao leitor: a possibilidade de entrar na sua compreensão de mundo, e utilizar das suas palavras para ler uma experiência, uma sensação ou uma mera vicissitude. Seja qual for a sua ideia, os livros são grandes fontes libertárias para aqueles que leem e, mesmo sem saber, se distanciam do velho preconceito linguistico e migram quase que incoscientemente para o semântico, e que sem dúvida nenhuma, se torna mais saboroso e, independe de classe, acesso ou educação da gramática do falar-sempre-corretamente.

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