sexta-feira, 27 de maio de 2011

Religião moderna: Retrocesso ou evolução? Da abordagem transpessoal sobre livre-arbítrio e determinismo.

A concepção moderna de religião do homem permitiu o desenvolvimento da crença baseada em algumas pilastras que são oriundas da própria história da civilização, e se confunde basicamente com a instituição na crença em um ente superior materializado em um expoente místico. A gênese da nossa crença religiosa, que apesar de demonstrada no espaço cronológico que data o período anterior a Cristo e posterior a ele, é produto da evolução de algo muito maior e complexo do que simplesmente a existência de Jesus Cristo ou não. A transição do “Grande Ninho do Ser” do período mítico-associativo para o início do período egóico - pessoal é a resposta-chave para muitas das questões concernentes aos conflitos existentes na história humana e que perduram até hoje; em linhas gerais, esta transição permitiu ao homem, já sapiens, mais do que simplesmente associar “pequenos” processos de conhecimento, como por exemplo compreender e assimilar a estrutura que compreende a fabricação do fogo ao analisar um raio caindo em um galho de árvore seco, lhe induzindo a buscar dentre as ferramentas que têm conhecimento o movimento de fricção para gerar calor e posterior fogo, mas sim compreender a sua real relevância no meio e mais do que isso, possibilitá-lo a associar o seu poder de exercício de domínio perante os seus demais semelhantes e a sua influência neles, e principalmente da sua capacidade de transformação deste meio. A consolidação do período mítico-associativo, que permitiu ao homem compreender a grande maioria dos fenômenos naturais e associá-lo à responsabilidade do universo, foi de fato preponderante para que a cognição intelectual do homem se desenvolvesse para algo transcendente aos movimentos da natureza; a partir deste momento, o homem inaugurou um período de intenso domínio sobre a explicação dos fenômenos da natureza, iniciado com a agricultura, e posteriormente com a ciência e tecnologia, mas principalmente de exercício de domínio perante os seus demais semelhantes através da religião. O surgimento das religiões em nada se assemelha à concepção de fenomeanologia natural do período mítico, mas sim da associação do indivíduo como parte única e exclusivamente individual de um processo, com um Deus capaz de modificar o curso da vida se estimulado por uma crença expoente baseado em domínio, opressão e devoção. O início da “Era das Trevas” demonstra mais do que simplesmente um período de “baixo” desenvolvimento intelectual-cultural no Ocidente sob o aspecto material-histórico, conclusão esta oriunda das formas questionáveis de medição da própria História Moderna, mas principalmente por inaugurar um período de fortíssima dominação e opressão do próprio homem aos seus semelhantes. Verifica-se na colonização dos primeiros povos europeus, pelos árabes, o domínio desenfreado de sistemas de poder com o objetivo de fixar a hierarquia opressiva, e entre elas, é no arcabouço filosófico-intelectual desta empreitada que se situa o início das religiões no mundo Ocidental como ferramenta de opressão e dominação através da devoção. Entender que a religião opera de forma a disseminar uma filosofia autocêntrica, que assume expressamente que o indivíduo tem real poder sobre os movimentos do universo se devoto for ao seu Deus religioso, é verificar acima de tudo o teor do discurso ideológico que baseiam as religiões modernas, concluindo que somos parte de uma grande cadeia onde o indivíduo é levado a crer que um Ente superior lhe ajudará quando necessário caso cumpridas as etapas dos “pré-requisitos” do padrão individual de comportamento. Ou seja, indivíduos que são levados a crer na disposição de um Deus às suas vontades, tendem a ser mais vulneráveis aos processos de repressão e opressão pois desconhecem o teor que os distancia do seu próprio Espírito. A religião moderna não é apenas pernóstica ao determinar que a vida individual está regida pela vontade individual, mas principalmente por aceitar que este ou aquele Deus é inteiramente responsável pelo alcance ou não dos padrões comportamentais de convivência em que se conceituam as atitudes positivas de BEM ou negativas de MAL, ou através da conceituação de Felicidade e Desídia, descartando por ignorância os movimentos e processos muito mais complexos do que a vida terrena que o universo nos proporciona. A tendência de comportamento deste novo período denominado egóico - pessoal intensifica a diretriz de “livre-arbítrio” sob a égide da livre escolha e do alcance de um bem individual que o conduza ao conceito de felicidade. Voltarei neste assunto ainda neste texto para explicar o porquê do livre-arbítrio ser uma tendência comportamental regida por aspectos psicológicos e sociais.
Não obstante ao fato de a religião ter sido gerada num ambiente de transição do período mítico, em que se acreditava na fenomeanologia natural das coisas, para o egoico-pessoal, em que o individuo tem papel preponderante no movimento das coisas do universo, o conflito com a ciência é muito melhor entendido quando verificado o seu papel neste contexto. Não diferente da religião, mas sob outra perspectiva cognitiva, a ciência nasce decorrente de um processo investigativo do homem em verificar como os processos universais ocorriam. E este reducionismo-materialista permitiu à parte da civilização enxergar que os processos universais ocorrem independente da vontade individual dos indivíduos; a física engatinha na compreensão dos processos das partículas, a matemática sedimenta os conhecimentos cartesianos, mas principalmente, a cognição que se alcançou na evolução histórico-material foi compreender que somos parte de um todo que se chama universo. A redução espacial do universo ao espaço individual pela religião permitiu à ciência amplo espaço para desenvolver seu arcabouço intelectual tendo em vista a abordagem mais complexa e em perspectiva do que aquela limitada pela religião. Abrir as portas do conhecimento científico à uma cultura teocêntrica foi de fato um grande salto na evolução humana. Hoje, sabe-se que fazemos parte de um macro-processo universal graças ao desenvolvimento da ciência. A religião ocidental jamais nos permitiria desenvolver esta concepção pois se limita ao relacionamento individual com o Deus institucionalizado pela “religião”. Por outro lado, o processo investigativo científico permitiu ao homem compreender que ele faz parte de um universo muito mais complexo do que as simples relações que tanto o atormentam em Terra, e essa supervalorização das relações egóicas - pessoais decorrentes do período transitivo que se confunde com a criação da religião, acabou por limitar o indivíduo a se enxergar em perspectiva dos processos universais em detrimento das suas necessidades individuais apenas.A religião moderna baseada na crença teológica sufocou o comportamento humano, restringindo-o à simples atuação da religião cristã, por exemplo, como ferramenta de compreensão das idiossincrasias do universo. A ciência utilizou-se de suas ferramentas para compreender os movimentos universais e torneou o comportamento humano de modo a abdicar das vontades individuais ao assimilar que independentemente do conhecimento do mero funcionamento dos processos universais, a sua intervenção é ínfima e imperceptível e em nada serve para explicar o porquê estes processos ocorrem de fato ; o embate entre ciência e religião desde então tem sido inexorável, causando dor e sofrimento para os indivíduos que nele participam.
No desenvolvimento deste processo, o livre-arbítrio se mostrou com uma tendência de comportamento da própria religião. A transição para o período egóico - pessoal evidenciou a necessidade de o indivíduo se ressaltar perante aos demais movimentos universais, tornando a livre-escolha a se parecer como um movimento anterior ao determinismo universal, pois é pautado apenas na resolução psicológica e social; as práticas sociais, que se uniformizaram na criação da opressão pelo período egóico - pessoal são impregnadas de divagações psicológicas, e isto explica em parte o comportamento humano em se ater à explicação de algo objetivo e que o torne centro da resolução do problema, lhe fazendo parecer realmente única e exclusivo no universo. Mas é inegável que o efeito psicológico da livre escolha é latente: os indivíduos se sentem mais felizes quando praticam determinados atos que estão em consonância com o bom alvitre social através das boas escolhas; pessoas pretendem ser responsáveis pois querem ser mais felizes de acordo com o conceito separatista de certo x errado; objetivam e almejam a regularidade de sentimentos; anseiam pela realização do seu projeto de imortalização através das coisas terrenas e assim o fazem para que se sintam mais realizados nesta vida. Em contrapartida, o determinismo universal é mais completo ao abancar a complexidade de todos os processos universais e fazer com o que o indivíduo consiga enxergar para além de si , e se colocar em perspectiva perante aos movimentos que regem o universo. A concepção universal da existência, e principalmente, a humildade de contemplação de que somos apenas parte de um todo, ameniza os conflitos de crença individual pois afinal, somos todos parte de um todo maior do que nossos interesses individuais. Ao passo que enfatizar que a crença no livre-arbítrio focaliza os processos de construção individual apenas no indivíduo, significa também reduzir a nossa atuação às relações exclusivamente sociais e psicológicas, redundando toda a apreciação aos movimentos que regem o restante do universo. Dor e sofrimento decorrentes do não alcance “daquilo que deve ser” ou do projeto pessoal, são acima de tudo os processos mentais e psicológicos que mais afligem as pessoas na Terra.
No entanto não significa dizer que o livre-arbítrio seja irrelevante; ao contrário: a posição do indivíduo perante suas escolhas nesta vida terrena o possibilitam a de fato alcançar maior estabilidade emocional, pois estes são processos única e exclusivamente que dão cabo às relações pessoais e sociais e de fato o fazem se sentir mais realizado e feliz. São essas escolhas que dão percepção, por mais que apenas mental, de que se está fazendo a coisa que deve ser feita. Mas basta dizer que todo e qualquer movimento decorrente do livre-arbítrio individual não causa impacto no movimento universal, a não ser por aqueles que nos circundam ou exagerando, em uma comunidade, mas não mais do que isso. Raramente as ações individuais têm impacto na coletividade, pois estão impregnadas de um comportamento cuja filosofia é resolver os problemas individuais. O mesmo visivelmente não ocorre com o determinismo: todo e qualquer movimento universal impacta diretamente no movimento de todos aqueles que participam deste universo, e fazemos parte destes movimentos a todo o momento, sem que possamos ter a percepção disso.
Ou seja, o processo do livre-arbítrio está em escala inferior ao determinismo, mas não se exclui sua importância no desenvolvimento pessoal do indivíduo, pois ao compreender que somos parte do todo, o caminho para a crença em algo que visivelmente determina o porquê das coisas acontecerem fica mais fácil e inteligível. A ciência é ferramenta indispensável não para compreender apenas os processos científicos( deixemos isto para os cientistas cartesianos); o mais importante é compreender a ciência como ferramenta religiosa que dê perspectiva ao indivíduo a crer que a força que determina os processos universais não poderá ser oriunda a não ser de um ente visivelmente superior, a qual se chama DEUS. A ciência tem feito avanços impressionantes na compreensão deste processo, mas ainda nos sentimos como uma criança em meio à uma biblioteca cheia de livros; sabemos que eles existem mas não sabemos como e porquê estão organizados daquela forma. Sabemos hoje que a visão da estrutura macroespacial das galáxias se confunde com a visão microespacial das partículas subatômicas, e isto pode aliviar o sentimento daqueles que refutam a ideia de que somos parte de um todo. Somos hoje produto do agrupamento de partículas subatômicas na mesma escala que o agrupamento subatômico das quase infinitas galáxias existente no universo; sabemos que a sinapse neurológica envolve todos os processos que ilustram a própria evolução da cognição humana: nele poderemos observar dos mais primitivos impulsos elétricos, até à constatação de uma ideia materializada em pensamento, tudo isso ocorrendo em um espaço imperceptível pela medição humana de tempo, mas pulsando juntamente com o movimento universal de todas as coisas. Do que dizer então da imaginação? A capacidade de criar e reproduzir um universo desconhecido é prova material e irrefutável de que nossa existência não se limita à condição de ser humano; vamos além, pois somos partes indispensáveis deste universo, e não podemos nos separar dele apenas por livre-arbítrio, pois estamos condicionados indissociavelmente à existência de um macroprocesso do Universo.
O que deve ser ressalvado é que a exclusividade do comportamento pautado na livre escolha é tão opressor quanto à própria concepção de religião na crença de um ente superior capaz de modificar os movimentos tão mais complexos e belos do universo. Acreditar nisto, é refutar uma realidade inexistente, comprovando o desconhecimento de que o universo tem movimentos próprios e não coexiste em detrimento das nossas vontades individuais; concepção esta tão defendida pelos movimentos new-age, de auto ajuda e da própria psicologia cartesiana-reducionista-materialista que reduz os comportamentos à causa e efeito decorrente de um fenômeno específico psicológico-mental. A saber que fazemos inexoravelmente parte de um todo, e de que não somos o todo como dizem que somos, nos dá perspectiva de uma compreensão mais universal do que simplesmente da concepção individual oriunda do livre-arbítrio, elimina a opressão do próprio ego sob o indivíduo, e mais do que isso, dá compreensão exata de que devemos contemplar a complexidade do universo a nos limitar à complexidade de nossa simplicidade em conviver com os problemas psicológicos e sociais. Talvez seja esse o caminho para o comportamento da tão falada justiça-social; ao indivíduo que compreender que fazemos sim parte dos movimentos universais, ficará reservado o grande prazer de agir com justiça de fato, pautado nos conceitos comunitários e não apenas mais individuais. Desta maneira, desconstruir um mundo pautado no livre-arbítrio e na responsabilidade individual é construir acima de tudo uma ligação mais íntima com todo o resto, e não apenas consigo mesmo.