quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Jack Eden?


Não fosse o toque sensível e pragmático do personagem, Martin Eden seria apenas mais um jovem que viveu a rodar o mundo através das viagens de baleeiros. Acabou por conhecer mais lugares que a própria condição financeira o permitiria. Em uma de suas andanças se apaixonou, conhecendo verdadeiramente o sentido do amor. Nos pormenores do sofrimento, descobriu que seu amor só poderia ser correspondido a partir do momento que se encaixasse no molde social e intelectual da amada, que o exigira evoluir como ser através dos estudos, do conhecimento e dos livros. Decidiu lutar por ela; estudou a fundo a estrutura do pensamento burguês da sociedade Americana do século XIX, e como isso fosse resolver seu problema, acabou por encontrar outro maior ainda. Ao passo que estudava, percebia que era mais ignorante do que antes.
Romance que retrata uma semi auto-biografia de Jack London, Martin Eden é um mini alter-ego do escritor que foi revolucionário do pensamento de sua época e reconhecido, como todo grande artista, apenas um século depois. As dúvidas que permeiam as questões de London são as mesmas discutidas em Martin Eden, e o romance serve como um espelho da sua própria história , reconhecidamente fracassada diante da sociedade que se vivia. Ambos utilizam-se do tempo de vida como forma de questionamento, aparentemente irresignado eternamente, porém sempre com belos ensaios daquilo que se “parece mas não é” e da eterna busca pela verdade das coisas. Martin Eden "auto-constrói” seu retrato no mesmo ritmo que segue sua linearidade pessoal: descobre primeiro a trivialidade, através do pensamento comumitário. Depois, descobre que aquilo é apenas uma parte do que se diz ser verdade e, por fim , porém previsivelmente, de forma trágica conclui que tudo o que se diz é mentira e que a única verdade reside no amor incondicional. Ao passo que estuda o academicismo, a filosofia, a economia e a psicologia , entende a lógica que sustenta o sistema capitalista universal, tecendo seu próprio caminho alternativo de pensamento à lógica imposta pelas pessoas que vivem nele.
No entanto, não acredito que o mais prazeroso esteja nos ensaios sobre a divisão do trabalho social, da máquina capitalista, ou da relação entre força produtiva e intelectual e da forma como elas impactuam no desenvolvimento humano dos indivíduos- tampouco sobre o socialismo da época. O grande mistério de Martin Eden está no seu diálogo invisível com Nietzsche acerca das questões realmente relevantes para o homem atingir sua felicidade e de sua revanche pessoal com os preceitos da psicologia humana. Ao entender a lógica social entende por si só o seu inconformismo em satisfazer aos padrões sociais em prol da etiqueta de “cidadão-comum”. A sociedade o exigia isso; queriam que fosse uma pessoa comum e que seguisse a cronologia virtual das coisas: estudar para trabalhar; trabalhar para casar e casar para ser feliz. No entanto, descobre que a sociedade que o exigia isso, era na verdade, escrava do conhecimento que ela mesmo pregava e que aquilo que acreditavam saber, na realidade era apenas produto da opressão burguesa em limitá-los a seres eternamente situados na mesóclise da ignorância e da sabedoria. Estudavam em demasiado para seguir a mesma cronologia, e o resultado disso seria o eterno circulo vicioso, que impossibilitaria aos seres de pensar de forma independente e autêntica.

Ao descobrir o verdadeiro amor, acaba por descobrir também que este esteve condicionado ao seu sucesso como ser social daquela sociedade, tendo uma vida trivial dentro dos moldes exigidos pela época.
O clímax do romance acontece durante o mergulho interno que Eden faz no período que desenvolve sua habilidade para filosofar em forma de poesia. Descobre sua capacidade de enxergar além do que os livros lhe diziam e principalmente de constatar os vícios que corroem o ser humano puro que vive numa sociedade podre. Ao mesmo tempo que era reconhecido como escritor, seu amor se esvaiu pela amada e ela retornou depois de concluir que ele já se encaixava como futuro esposo, devido à sua posição social e seu status financeiro. Se fosse transcrever em aforismos o sentimento de Eden, poderia dizer que pensara principalmente nas questões torpes da consciência humana, e principalmente em que o amor que sentia por ela não mudou depois que enriquecera, diferentemente dela. Ela o abandonara quando decidira continuar com seu propósito, independentemente do dinheiro. Quando retorna arrependida, a parábola que se constrói no monólogo é da dúvida sobre sua própria mudança: tivera em algum momento o amor sentido por ela mudado por causa do dinheiro? Mas ele continuava exatamente o mesmo, antes e depois do sucesso.

Acredita na incondicionalidade do amor como única forma de evolução e revolução. Os seres são egoístas e alienados, porém quando descobrem o poder de isenção dos valores externos, alcançam a sua a real intenção da existência:

Do que seria da tua beleza, se eu fechasse os meus olhos para você?
Do que adiantaria essa tua ideologia, se tua própria liberdade se transformasse em opressão?
E se eu pudesse ao menos te mostrar, que o inferno são os outros?


Não acredito que a intenção de Jack London fosse demonstrar uma das faces niilistas do seu personagem, que mergulha num lago profundo de rocha sem saber que lá não existe água, para depois chorar a desgraça humana. A construção que ocorre no decorrer do romance é exatamente a representação de uma das fases da vida de todo indivíduo , que livres , conseguem optar sem ressentir, ou não. Eminentemente presente, a questão do dúbio social e do niilismo como forma de execração e repúdio à forma imposta por um materialismo histórico inútil, que aprisiona ao invés de libertar, é atenuada por Martin Eden, que descobre sua vocação para o monismo: se considera um legítimo monista, pois procura aquilo que de fato lhe faz feliz, com a liberdade do conhecimento e pautado no livre-arbítrio do querer. O final do romance acaba sendo mero detalhe, pois a intenção da mensagem já fora passada muitas páginas antes.

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