domingo, 18 de abril de 2010


Sorte ou azar, por ter nascido na terra dos Carnavais, terra esta que fazia sol de fazer o caboclo se arrepender de ter nascido e de presenciar a seca que faz o ovo fritar no chão batido e terra esta que chove e faz frio no mesmo dia, morava um dos deles, chamado Albuquerque. Costumavam lhe chamar pelo patronímico por ser tradição, fazia soar a importância da história da família, mas ele realmente não tinha importância social. Não era advogado, tampouco se formou em Medicina.
A terra dos Carnavais, era a de sua região, de longe a mais previsível. A menos efervescente em ideias, os que ali nasciam sabiam exatamente o que estariam fadados no decorrer de suas vidas. Alguns plantavam, outros tantos trabalhavam em escritórios, mas a maioria mesmo saía da floresta em busca de uma nova oportunidade na grande cidade. Esteticamente parecia uma cidade como qualquer outra: vias cheias de carro, trânsito insuportável e fumaça para todo o lugar; no mesmo local se concentravam sedes da burocracia carnavalesca, os órgãos do Estado, as universidades bolcheviques, gente correndo para matar o tempo, gente ganhando dinheiro em cima de tantos outros e tantos outros palestrando para matar a fome da grande maioria, enfim, um grande aborrecimente nacional. O fato é que ilusão ou não, o País se fantasiava uma vez por ano para travestir que na verdade, não era uma terra de verdade, e seus cidadãos, faziam com toda a pompa bravejar sua honestidade, hospitalidade, e força para lutar e caminhar mesmo com todas as dificuldades do Carnaval. Mas talvez o mais bonito, era o bom senso. Além de muitos se acharem inteligentes por sua educação política, o poliglotismo era muito valorizado. Há quem diga que quem falasse latim até conseguisse um lugar melhor no céu. E assim ia, como quase que uma escala pluviométrica, iam lhes enchendo a cabeça de que títulos pudessem ser como a água, para levar-los para algum lugar melhor. Com certeza, se não fosse a terra dos carnavais, a terra dos carnavais com certeza seria a terra dos títulos.
E não à toa, que voltemos na história de Albuquerque, que apesar de ter nascido e vivido e ter sido educado na terra dos carnavais, ainda era diferente. Sua família lhe estranhava pela sua ingenuidade, pela sua prestreza e pelos sentimentos que tinha pelas outras pessoas. Sentia pena e comoção quando via alguém com fome, mesmo que os traunsentes considerassem aquilo normal. Sorte ou azar, começaram a lhe enxergar como a própria revolução: era bizarro e ao mesmo tempo um guru dos tempos. Não entendiam porque não lhe convia seguir as regras que toda a história havia seguido. De seu modo de vestir à sua forma de pensar, diriam os burocratos em latim que era o próprio "ad hominem". Mas talvez o que mais chocasse era sua forma genuína de pensar: pensava por conta própria e isso era realmente perigoso. Lhe recorriam por vezes para tentar descobrir o que havia de errado, com insucesso.
Com esta história, Albuquerque nasceu e viveu. Sua família nada pôde fazer por muito tempo a não ser começar a cogitar a possibilidade de remendar Albuquerque, dando lhe trabalho e ocupação. Não que fosse um homem ruim, que precisasse de reabilitação. Ao contrário, tinha a mania irritante de ser bom e honesto, seu coração era visivelmente puro e dotado de boas intenções.
- Se queres subir na vida, precisa de um título. Apenas um título, qual seja ele. Será-lhe suficiente para arranjar algum cargo público, ou em alguma repartição burocrática nacionalista.Depois disso, é tudo ascensão. O que queres?
- Quero pensar para trabalhar, e não ao contrário. É possível?
- Veja. Fica mais fácil trabalhar para os papeis. Veja, o Estado tem muitos papeis nas suas salas, e isso é maravilhoso. Além disso, o Estado...o Estado somos nós- como se pudesse bradar na voz de Luis XV o l'État c'est moi.- Ora, trabalhar para os outros é loucura. Lisonjeios falam mais baixo que o próprio resultado, então terás que trabalhar de fato.

Albuquerque foi pensar. Matriculou-se no Liceu daquela terra, e seja em qualquer área da ciência propedêutica, teve a impressão de encontrar seu lugar finalmente. Seu mestre, Maximiliano, lhe adotou com certa compreensão pela sua história sofrida. Tinha algum sentimento desconhecido por aquele ser, sabendo que ele de fato não era normal. Ainda tinha dúvidas se era patologia ou dislexia, porém mantinha para si aquela opinião. Não suficiente suportar a situação por muito tempo, chamou Albuquerque no canto no final de um curso :
- É deveras diferente. Faz mais do que os outros, tem uma mania insistente de contestar aquilo que os livros próprios dizem. São eles a eterna fonte da sabedoria, não há um grão que poderás fazer para mudar teorias de toda a história.
- Prejudico-lhe?
- Não, mas poderás sofrer. Possivelmente sofrerás. Provavelmente sofrerás. Pensais por contra própria, e isso é demasiadamente perigoso. Altera o bom senso das pessoas; tapas de luvas dóem mais do que de verdade.
Na terra dos carnavais, o Liceu era quase que uma seita. Dali saíam as grandes cabeças, já reguladas e moldadas para ocupar os grandes cargos burocráticos. Dali, saíam mais forte por causa da tortura. Diziam que vedar a vontade de gritar de dor potencializava o seu título, e poderia cada vez mais suportar mais e mais sem que lhes incomodasse as opiniões injustas. Treinavam ali seres biologicamente superiores, pois saíriam em escala evolutiva visivelmente superior ao resto das outras pessoas. Em ultimato, veio o Sr. Maximiliano e lhe disse:
- Terás que sair. Não lhe suportam por causas das dúvidas que geras.
-Já sabia Sr. Maximilano.
Neste meio tempo, abriu o livro que carregava consigo e não por acaso leu ao mestre:
- "Ser normal é talvez a coisa mais útil e conveniente com que podemos sonhar. Mas a noção de ser humano normal, tal como o conceito de adaptação, implica limitar-se a média. Ser normal é o ideal dos que não tem êxito, de todos os que ainda se encontram abaixo do nível geral de adaptação. Mas para as pessoas dotadas de capacidade acima da média, que não encontram qualquer dificuldade em alcançar êxitos e em realizar a sua cota parte de trabalho no mundo, para estas pessoas a compulsão moral a não serem nada senão normais significa o leito de tortura: mortal e insuportavelmente tedioso, um inferno de esterilidade e desespero".
- Sugiro procurar uma Igreja. Ela lhe acertará algo que falha.Tenho um Padre conhecido na Igreja Três-quartos; chama-se Antenor.
E cansado das intervenções alheias, decidiu Albuquerque procurar sua própria sorte. Nunca havia tido muita simpatia pelo Clero da cidade, não gostava das declarações dos padres nas paróquias e da própria censura da sua família em não ser praticante da religião, identidade da família e tradição na história da família Albuquerque por tantos anos, seria ele também a quebrar esse rito mais uma vez. Chegando em casa, a mãe lhe abraçou e parabenizou-o pela decisão.
- Finalmente terás uma vida correta!
Chegando na Igreja, confessou ao Padre seu incômodo:
- Sou correto demais, justo demais, honesto demais.
- É problema na tua essência; está desregulada. Acontece de ora em ora no momento da concepção, dizem ser um problema de fábrica. Talvez seja imprevisão nas peças do livre-arbítrio.
Albuquerque atalhou:
— E o senhor fica com o meu livre-arbítrio?
— Se o deixar.
Repousou-o dentro de uma caixa preta.
— Pois aqui o tem. Conserte-o. O diabo é que eu não posso andar sem ele, pelo menos para as decisões menos importantes.
— Claro. Mas, enquanto a arranjo, empresto-lhe um de plástico.
— Funciona?
— É de plástico. explicou o honesto Padre. Albuquerque recebeu o chassi de sua essência, enfiou a de plástico, e saiu para a rua.
Dois meses depois, Albquerque tinha a simpatia da vizinha, tomava cerveja com o Chefe da Repartição, ganhava uma pequena fortuna fazendo duplicatas frias para os comerciantes do país ao lado. Sua mãe via-o mentir, fazer mal, trapacear e ostentar tudo o que não era. Os parentes, porém, veneravam-o, e os companheiros não tinham saudades em recordar o tempo em que Albuquerque era desregulado. De fato não pensava, apenas agia como os outros. Queria subir mais alto, e esqueceu a ideia de andar para frente. Explorava, adulava, falsificava, extorquia, corrompia, tergiversava. Sua mãe se orgulhava vendo seu filho com juízo. No centro proletariado, o seu reconhecimento crescia; era bajulado dos chefes burocratas, da frota proletariada e dos irmãos bolcheviques da Rússia. Foi eleito representante por todos, e, especialmente, pelo presidente da República — A sua subida era comparada ao de um foguete rumo à Lua. Esqueceu rapidamento do passado doloroso, amava a sua terra. Era o modelo da felicidade. Regulava admiravelmente. Largou a dúvida para o passado.
Passaram-se assim anos. Todos os chefes políticos do País dos Carnavais encontravam divergências para encontrar o nome do próximo representante, e que fosse o expoente da norma, do bom senso. O nome de Albuqueruqe era o mais bem quisto. Então ele passeava de carro pelas ruas movimentadas, quando rememorou da Igreja que havia deixado seu livre-arbítrio. Tinha pressa, pois precisava chegar ao local da votação com rapidez e agilidade. Acreditou que 5 minutos ali não lhe fariam mal. Entrou na Igreja, e procurou pelo Padre Antenor.
- Veja, deixei meu livre-arbítrio há tempos para reparo. Por infortúnio, olividei-me de buscá-la.
- Não prossiga. Tenho aguardado ansiosamente pelo Senhor. Como está o de plástico? Regula bem?
- Absurdamente bem. Minhas dúvidas passaram.
- Olha, os livre-arbítrios de plásticos não são de toda a matéria ruim. São de fato provisórios, mas me espanta ter se encaixado com tanta perfeição no local em que ocupava a anterior.
- Porque ponderas?
- Bem, posso lhe dizer que em anos de Ministério, jamais encontrei artefato tão perfeito. É a placa precisa do próprio Universo, tem o equilíbrio das vibrações. Enfim, é atemporal. Tens uma obra-prima, um masterpiece de Sarte. Quiça me arrisco a dizer que isso é obra do próprio Deus.
Albuquerque hesitou em recolocar o antigo depois das considerações do Padre.
-Embrulhe-o por favor.
-Não o coloca de volta?
- Não, por favor.
- Ora Albuquerque, adverto-lhe que este não é utensílio trivial e cotidiano. Deve ser usado com um Tuxedo para festa de gala, caso contrário inevitavelmente dará de fatona cara. Fará com que se torne um homem superior.
Mas Albuquerque não era tolo, havia aprendido a respeitar a ordem social e a harmonia do homem-médio.
- Acredita causar discórdia mesmo se como objeto de decoração? Há chances de que fatalmente um dia ele me prejudique?
- Possivelmente. Ela fatalmente voltará a brigar com a sua consciência. Porque não tenta?
- Prefiro não arriscar. Prefiro ficar com a opinião dos outros, aquele que dizia que ele não servia. Livre-arbítrios devem estar em consonância com o clima e com as virtudes de cada povo, caso contrário podem fazer mal aos outros como eu mesmo fiz. Da nota que me deram em buscar sair da normalidade, conheci o homem-médio que sou, e para mim,convém-me manter assim.
-Leve-o consigo - mudando de ideia.
E assim, começou e terminou a história de Albuquerque, o homem que não conseguiu ser nada nem com nem sem o melhor do artefato já disponibilizado por Deus na terra dos Carnavais.

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