terça-feira, 23 de março de 2010

Indas e vindas da epopeia grega


Me perguntaram o porquê de ter um blog e não escrever sobre temas jurídicos. Pois bem, vamos lá:
Em uma discussão num programa de TV sobre as ações afirmativas e sua eficácia, foi abordado como de praxe o aspecto jurídico em contrapartida ao pragmatismo sociológico. São conceitos estes inabreviáveis, portanto me perdoeem a prolixidade. A questão era saber o limite da "legalidade" nas questões que são iminentemente sociais. Explico: criar condições para favorecer aos desfavorecidos, conceito de Ruy Barbosa, é de certo modo uma situação que cria um alto grau de insegurança jurídica, pois permite a abertura de exceções para determinadas naturezas de conflitos. O exemplo é facilmente compreensível se levarmos em conta a Lei Maria da Penha, dos direitos indígenas, dos direitos dos negros etc etc etc. A discussão é infinita e os debates, recorrentes. No entanto me chamou a atenção de uma mestranda em Ciências Sociais pela USP, que suscitou a possibilidade de olhar por um outro prisma. Partindo do pressusposto que deve-se defender os princípios constitucionais acima de tudo, neste caso, as ações afirmativas ferem o da igualdade e da isonomia. O conceito por si só é auto-explicativo. Mas a tal Mestre deu um banho, na minha opinião, em todos os outros mestres em Direito Constitucional. O princípio da Legalidade tem carregado na sua essência a legislação; mas não desobriga o legislador a não se ater às questões de cunho social que precisam ser debatidas, e não simplesmente remendadas e varridas para debaixo do tapete. Apesar de toda a evolução, ainda é pouco. Em país em que se leva na literalidade a ideia de Justiça, da imparcialidade da Deusa Têmis, tem-se um árduo caminho para se percorrer até chegar na evolução da "inclusão dos outros", de Habermas. O que ela quis dizer é que o próprio princípio da isonomia cria um ambiente um pouco controverso para as discussões de cunho social. Para se discutir, é preciso pedir com licença à Constituição, caso contrário o STF te faz ajoelhar no milho e pedir perdão.
Bom, a questão é que a própria história, mesmo que em forma de epopeia, já denunciava isto. Temis, a Deusa da Justiça,teve uma filha chamada Dike. Dizem que as gerações futuras são a evolução das anteriores: nasceu de pé descalços, com uma espada empunhada e a balança na outra mão. Mas o melhor é que nasceu sem as vendas. Ao contrário de sua mãe, não queria ser cega. Tá certo, fazia questão de ver tudo.
Talvez seja um pouco disso também para a interpretação de todas as coisas que tocam o nosso enlatado senso de justiça, ética e moral. E como a própria tal da Dike já dizia no passado, é possível fazer 3 coisas ao mesmo tempo: lutar com a espada, pesar com a justiça, e principalmente, olhar para o injusto sem as vendas de Temis.

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